Sobrepeso
na terceira idade pode impactar na longevidade
O
brasileiro nunca viveu tanto tempo. Também tem exibido pesos e formas corporais
cada vez mais avantajados. É fato que a longevidade e a obesidade ganham lugar
de destaque em dados oficiais e impressões corriqueiras. Mas há problemas
quando elas se encontram, alertam especialistas e estudiosos da área.
Pesquisas
mostram que viver mais e melhor não concilia com pesar muito. Se há conflito
com a balança, doenças se acumulam e limitações físicas e psicológicas podem
comprometer as relações sociais. Tem-se, então, uma velhice pesada, em que a
qualidade e a expectativa de vida estão significativamente comprometidas.
O
fenômeno já é constatado em estatísticas de países de alta renda. Comparando a
expectativa de vida ao nascer na Austrália, nos Estados Unidos e em 18 países
da Europa entre 1980 e 2016, pesquisadores da Universidade de Melbourne
concluíram que a média de anos vividos tem diminuído nessas populações.
Para
Tim Adair, a obesidade exerce papel-chave nessa transformação. “As tendências
na longevidade são amplamente impactadas por fatores de risco que ocorrem
muitos anos, ou mesmo décadas, antes. Portanto, as tendências futuras de
longevidade serão bastante impactadas pelos esforços atuais para reduzir a
obesidade”, explica ao Correio o pesquisador da universidade australiana e
coautor do estudo, divulgado, em maio, no Medical Journal of Australia.
A
equipe observou que, de 2002 a 2016, a diferença na expectativa de vida subiu
2,5 anos para homens na Austrália e dos outros países avaliados. No caso das
mulheres, 1,6 ano e 1,8 ano, respectivamente. Analisando períodos anteriores,
os cientistas constataram uma desaceleração nos anos a mais de vida. Por exemplo,
entre 1991 e 2004, o ganho foi de 3,4 anos para os australianos e de 2,7, para
europeus e norte-americanos. “Somados à alta prevalência da obesidade, esses
números sugerem que a expectativa de vida no futuro poderá ter médias ainda
menores”, frisa Tim Adair.
Para
Alexandre Kalache, gerontólogo e presidente do Centro Internacional de
Longevidade – Brasil, há motivos para acreditar que o Brasil enfrentará
problema semelhante. “A epidemia da obesidade e todas as suas consequências vêm
fortes. Nos Estados Unidos, por exemplo, o excesso de peso é a segunda causa de
morte de adultos. Estima-se que, na Europa, 15% das mortes prematuras, antes
dos 70 anos, são por sobrepeso e obesidade. Não há nenhuma razão para
acreditarmos que aqui não seguiremos o mesmo caminho”, diz.
Segundo
Kalache, a maioria das vítimas está morrendo prematuramente: tem entre 35 e 59
anos e perde a vida por complicações associadas à obesidade. O risco de ter uma
doença cardiovascular aumenta 49% em indivíduos obesos, ilustra o especialista em
longevidade. O de ter uma complicação respiratória, 38%, e o de ser acometido
por cânceres, principalmente de mama e de intestino, cerca de 20%.
De
acordo com o Ministério da Saúde, a obesidade tem crescido justamente em
adultos jovens e na meia-idade. De 2006 a 2018, o avanço foi de 81,1% entre
brasileiros com 35 a 44 anos, e de 84,2% na faixa de 25 a 34 anos. Considerando
a população em geral, a taxa foi de 67,8%. “Isso está muito ligado ao estilo de
vida, marcado por dietas pouco saudáveis e sedentarismo. As pessoas ingerem
muitas calorias e não conseguem queimá-las”, resume Kalache.
Doença social
O
gerontólogo frisa que, no caso do Brasil, é preciso avaliar a faceta
socioeconômica do problema. “Aqui, a obesidade tem um caráter bastante cruel. É
uma doença social, que atinge principalmente os mais pobres. Para fazer
atividade física de forma adequada e regular, a pessoa precisa de um lugar
iluminado, com calçada, que não tenha bala perdida, onde as mulheres possam ir
sem serem atacadas. Para muitos brasileiros, comer brócolis todo dia é ficar
sem dinheiro antes do fim do mês”, ilustra.
No
caso de quem passou dos 60 anos, mudanças esperadas com o envelhecimento, como
a perda da massa muscular e o aumento da gordura corporal, podem deixar a
situação ainda mais delicada. “Dores no joelho e na perna, além das questões
vasculares, já dificultam a mobilidade. Com o excesso de peso, não ser um idoso
sedentário fica ainda mais difícil”, diz Rosa Chubaci, coordenadora do curso de
gerontologia da Universidade de São Paulo (USP).
A
especialista também chama a atenção para o impacto negativo da falta de
orientação especializada. Segundo ela, isso é muito comum em questões ligadas à
alimentação. “O idoso conta que só come três biscoitinhos de maisena e toma um
copo de leite e, ainda assim, está engordando. Ele está ingerindo só
carboidratos e não sabe as consequências disso”, exemplifica.
Apesar
de menos expressivo que a média geral, o avanço do excesso de peso entre os
brasileiros mais velhos também preocupa. Em 2006, 11% dos homens e 19,7% das
mulheres com mais de 65 anos eram obesos. Em 2017, as taxas haviam subido para
15,3% e 23,4%, respectivamente. Rosa Chubaci destaca que, além de desencadear
doenças que podem ser fatais, a obesidade impacta negativamente nas condições
de vida. “Devemos dar mais qualidade aos anos que viveremos mais, não viver por
viver, de forma restrita, dependente. É claro que não temos o controle total,
mas viver bem é viver cuidando de si”, reforça.
Pior que o tabagismo
A
piora na taxa de mortalidade de norte-americanos é registrada há três décadas.
Ao analisarem dados da Pesquisa Nacional de Exame de Saúde e Nutrição desde
1988, cientistas da Universidade da Pensilvânia concluíram que o aumento da
obesidade é culpado pelo fenômeno. Em 2011, por exemplo, o excesso de peso já
reduzia a expectativa de vida aos 40 anos em 0,9 ano. “Estimamos que o impacto
do aumento da obesidade seja duas vezes mais significativo para as tendências
de queda da mortalidade do que o impacto do declínio do tabagismo”, compara
Samuel Preston, um dos autores do estudo, divulgado, em 2018, na Pnas, o jornal
da academia americana de ciências.
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