segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O TEMPO LIVRE INDUSTRIALIZADO (PROFESSORA: ALESSANDRA ARAÚJO DE SOCIOLOGIA)

O tempo livre industrializado
Revista Filosofia. Ed. 79, Ano 2013


As longas jornadas de trabalho são cada vez mais aceitas na sociedade moderna, criando uma dependência do trabalhador. Caprichosamente articulados, férias e feriados nas empresas têm um intuito certo: deixar os cidadãos apáticos, culpados e cada vez mais ávidos em trabalhar



Para o filósofo Paul Lafargue (1842-1911), a introdução das máquinas no trabalho traz mais esforço que antes porque faz o homem concorrer e rivalizar com ela. Além disso, o afasta ainda mais da possibilidade de realização com sua atividade laboral
A cultura ocidental tradicionalmente estigmatizou o trabalho como uma atividade degradante para o ser humano, considerando-a indigna de homens livres. Nessa conjuntura, o trabalho era imputado como uma tortura; aliás, a análise etimológica da palavra trabalho indica que esta se origina do termo latino tripalium, um instrumento de suplício. Todavia, essa perspectiva negativa em relação ao trabalho só encontra signi­ cação na estrutura laboral regida pela relação de dominação entre senhor e submisso, sendo incompatível com a experiência de trabalho na qual o ser humano adquire a capacidade de se realizar existencialmente. Por conseguinte, o materialismo dialético de Marx (1818-1883) explica com precisão esse processo: “Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu próprio câmbio material como uma de suas funções. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo – braços e pernas, cabeças e mãos – a ­ m de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modi­ficando-a, ao mesmo tempo modi­fica sua própria natureza”¹.
Entretanto, as relações sociais de trabalho se caracterizaram historicamente pela desapropriação dos meios de produção das mãos daquele que representava efetivamente o processo construtivo de criação, o trabalhador, que se encontrou na necessidade de vender sua força de trabalho ao detentor dos meios de produção que, arbitrariamente, estabeleceu uma relação injusta na distribuição das riquezas para com seu subordinado, justi­ficando os contundentes versos da Internacional Socialista: “Abomináveis na grandeza/ Os reis da mina e da fornalha/ Edi­ficaram a riqueza/ Sobre o suor de quem trabalha/ Todo o produto de quem sua/ A corja rica o recolheu/ Querendo que ela o restitua/ O povo só quer o que é seu”.
No advento da modernidade, não obstante o seu propalado progresso científico, ao invés de ocorrer efetivamente a superação dessas contradições sociais, elas se ampliaram. O desenvolvimento da tecnologia capitalista conduziu ao paulatino decréscimo da capacidade do trabalhador se realizar como ser humano em suas atividades laborais, reconhecendo-se naquilo que ele faz em sua jornada. A divisão técnica da produção e a sua crescente mecanização geram na subjetividade do trabalhador uma contínua repulsa pelo seu objeto profissional, tornando sua atividade maçante, incapaz de lhe proporcionar genuína satisfação existencial. O trabalho regido pela ordem capitalista em sua frieza tecnocrática se torna apenas um recurso para que o sujeito possa obter o ganho mínimo para a manutenção de sua existência, em verdade, uma subvida. O ­filósofo Paul Lafargue (1842-1911) considera que “à medida que a máquina se aperfeiçoa e dispersa o trabalho do homem com uma rapidez e uma perfeição que não param de crescer, o operário, em vez de prolongar o seu repouso proporcionalmente, redobra seu esforço, como se quisesse rivalizar com a máquina. Ó concorrência absurda e mortal!”².

O SOCIÓLOGO
Sadi de Rosso, em sua obra Mais trabalho, faz uma distinção entre trabalho e emprego, dizendo que no futuro as pessoas serão pagas por trabalhos específicos. Domenico de Masi usa o termo “teletrabalhadores” para aqueles que trabalham em qualquer lugar e já conseguem misturá-lo com a sua vida    


VIDA PARA O TRABALHO

O comportamento workaholic é cada vez mais aceito e considerado normal. As pessoas entregam suas vidas às empresas e muitas vezes viram dependentes do trabalho, por ter perdido outros sentidos para a vida
O preço a ser pago pela manutenção de um razoável padrão de vida na sociedade plutocrática é certamente doloroso: o empreendedorismo capitalista exige a progressiva diluição das fronteiras entre a vida dedicada ao trabalho e o tempo domiciliar, criando-se assim os indivíduos conhecidos em nossa estrutura administrativa como workaholics, dedicados exaustivamente pela causa de sua empresa, que se torna a sanguessuga da vitalidade humana, descartando o indivíduo tão logo ele é imputado como desnecessário pelos mandatários financeiros. Para o filósofo alemão Robert Kurz (1943-2012), “a submissão do conteúdo sensível do trabalho e das necessidades à autorreflexão cega do dinheiro é de caráter monstruoso. Essa monstruosidade manifesta-se, durante a evolução da modernidade, em escala historicamente crescente, nas crises em que enormes quantidades de recursos humanos e materiais ­ ficaram paralisadas por não poderem mais cumprir, por motivos incompreensíveis, aquela ­ nalidade absoluta de transformar trabalho vivo em dinheiro”³

Nesse ponto da argumentação, podemos fazer uma ousada relação entre os mecanismos capitalistas de dominação das forças produtivas do trabalhador e os paradigmas da sociedade disciplinar conforme as análises de Michel Foucault (1926-1984): a vigilância torna-se um operador econômico decisivo, na medida em que é ao mesmo tempo uma peça interna no aparelho de produção e uma engrenagem do poder disciplinar. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminuem essas mesmas forças em termos políticos de obediência5. Nessas condições, a sociedade disciplinar encontra seu análogo capitalista na fragmentação do trabalho, ao proporcionar a educação dos corpos dos operários submetidos ao regime maquinal da divisão científica da linha de produção que impõe a especialização máxima do mínimo.


Para Marx (1818-1883), a valorização do mundo das coisas torna proporcionalmente inversa a valorização do homem, que torna-se mais pobre quanto mais riquezas produz
 Para que ocorra essa organização laboral que desagrega a vitalidade criadora do trabalhador, fazem-se necessários o disciplinamento da sua força produtiva e a coerção moral, econômica e mesmo física. Tais aparatos normativos se sustentam porque nenhum trabalhador livre aceitaria o fato de laborar além do necessário para a manutenção saudável de sua vida; nenhum trabalhador livre aceitaria condições penosas e aviltantes no processo produtivo como é constatado na civilização capitalista, destituído de sentido existencial em uma realidade humanamente diluída, alienada de suas próprias forças vitais. O ­filósofo austro-francês André Gorz (1923- 2007) afirma ironicamente: “Acolherei as inovações técnicas que aumentam o rendimento de meu trabalho mesmo se elas o tecnizam, submetem-no a rígidos imperativos, fazem-no assemelhar-se a um trabalho rude. Aliás, não tenho escolha: se não acompanhar a evolução das técnicas (ou adaptar-me a elas), logo mais não poderei viver da venda de meus produtos: não serei mais competitivo”6. Percebe-se, assim, que o primeiro momento desse processo é sempre a subjugação, na sequência transformada em subordinação, até chegar a uma situação de consentimento, isto é, de naturalização da divisão social do trabalho na estruturação social hierarquizada e, por fim, do entendimento alienado de que a sociedade assim organizada é a única sociedade possível de acontecer. Herbert Marcuse (1898-1979) considera que “hoje, a dominação se perpetua e se estende não apenas através da tecnologia, mas como tecnologia, e esta garante a grande legitimação do crescente poder político que absorve todas as esferas da Cultura. Nesse universo, a tecnologia também garante a grande racionalização da não liberdade do homem e demonstra a impossibilidade ‘técnica’ de a criatura ser autônoma, de determinar a sua própria vida”7.
Contudo, não seria também o dispositivo ideológico do tempo livre uma emanação sutil dessa estrutura social normativa aplicada a todos os grandes estamentos disciplinares? Com efeito, ao invés de promover a conscientização política dos indivíduos, o usufruto do tempo livre tal como operado pelo poder capitalista favorece a formação de corpos dóceis, apáticos, despolitizados. O tempo livre se torna um mecanismo narcótico, no qual o indivíduo adquire a capacidade moral de suportar interiormente as condições alienantes dos seus processos laborais, na expectativa de, após sua contribuição exaustiva nas atividades de trabalho, poder usufruir com mais paixão seus momentos de liberdade de tempo, ainda que destinados ao fazer nada ou aos atos de consumo alienado. Conforme salientam Adorno e Horkheimer: “A diversão é o prolongamento do trabalho no capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo”8.

HOJE, O EMPREGO EXIGE A DILUIÇÃO DAS FRONTEIRAS ENTRE VIDA PARA O TRABALHO E O TEMPO DOMICILIAR, CRIANDO-SE ASSIM INDIVÍDUOS DEDICADOS EXAUSTIVAMENTE À EMPRESA

TEMPO LIVRE COMERCIAL
Podemos então a­ rmar que a legitimação do tempo livre como instrumento que propicia a desmobilização da capacidade emancipadora do ser humano encontra uma das suas manifestações no âmbito dos meios de comunicação de massa, pois são estes que despejam na coletividade social os gêneros produzidos pela sociedade de consumo através de um formato padronizado, de fácil assimilação. A pretensa liberdade do indivíduo é em verdade conduzida de forma heterônoma pelo comercialismo social. O ­filósofo e economista francês Serge Latouche (1940) a­firma que “a maior parte do tempo livre não leva a uma reapropriação da existência e não constitui uma escapada para fora do modelo mercantil dominante. Geralmente o tempo é empregado em atividades também mercantis que não permitem que o consumidor empreenda o caminho da autoprodução. Ele é conduzido para uma via paralela. O tempo livre se pro­fissionaliza e se industrializa cada vez mais”.9


O comportamento workaholic é cada vez mais aceito e considerado normal. As pessoas entregam suas vidas às empresas e muitas vezes viram dependentes do trabalho, por ter perdido outros sentidos para a vida
Os feriados se tornam instrumentos de desmobilização política, inclusive sendo utilizado pelos governantes para que os indivíduos permaneçam no estado de alienação e aproveitem de forma sôfrega os prazeres da vida. O crítico social estadunidense Christopher Lasch (1932-1994) argumenta que “a sociedade burguesa sempre manteve a promessa de que as satisfações privadas compensarão o fato de que o trabalho tenha sido reduzido a uma rotina, mas ao mesmo tempo solapa esse compromisso organizando o lazer como uma indústria”.10 Os feriados tornam-se também motivo para que uma grande massa humana possa realizar a sua momentânea fuga da cidade repleta de problemas e retorne mais feliz para a mesma. Com efeito, o cotidiano da vida urbana gera exaustão, e a oportunidade de escapar dessa rotina frequentando espaços insólitos faz com que o indivíduo consiga renovar seus votos de adesão ao mundo caótico no qual ele vive.
Na conjuntura capitalista, o lazer tem o sentido crucial de descanso ou intervalo entre trabalhos para restabelecer as energias necessárias à aplicação por mais atividade produtiva, legitimando-se assim o lazer como uma ­ nalidade que promove o fortalecimento das relações laborais ao invés de proporcionar a superação crítica destas. Paul Lafargue pondera que “diante dessa dupla loucura de trabalhadores, de se matarem de trabalhar e de vegetarem na abstinência, o grande problema da produção capitalista já não é encontrar produtores e multiplicar as suas funções, mas descobrir consumidores, excitar os seus apetites e criar-lhes necessidades arti­ficiais”11.
Quando uma empresa legitima os descansos nos intervalos das refeições a sesta, isso ocorre não por uma preocupação ética com o bem-estar do trabalhador, mas pela razão calculista desenvolvida pelo conhecimento técnico do metabolismo humano, pois o organismo necessita de um momento de repouso para a digestão satisfatória dos alimentos; desse modo, constatou-se cienti­ficamente que a produtividade perdia qualidade após os períodos das refeições, tornando-se urgente a concessão da sesta que, nessas condições, se torna um instrumento que amplia o poder de controle dos detentores dos meios de produção sobre os trabalhadores, aparentemente bene­ ciados.
Sesta para aumentar a produtividade

A prática da sesta tem sido valorizada pelas empresas nos últimos anos. Já muito difundida na Espanha, onde até o comércio fecha no período pós-almoço, dormir à tarde também é um costume em países como China, Vietnã, Grécia, Croácia, entre outros e tem como principal motivo o calor e a ingestão de comidas pesadas. Apesar de ser algo já estimulado por personalidades como Bill Clinton, Napoleão Bonaparte, Einstein e Churchill, esta não era uma prática vista com bons olhos. Hoje em dia, porém, estudos científicos provaram que a produtividade dos trabalhadores que descansam depois do almoço cerca de 20 minutos pode aumentar em até 35% e seu estado de atenção, até 54% (estudo feito pela Nasa em pilotos). Assim, empresas utilizaram-se desses dados para criarem espaços destinados ao descanso dos funcionários. Algumas empresas como a Toyota tornaram a prática até obrigatória pensando também na economia que faria no período, já que as luzes seriam apagadas. A propaganda, porém, é da preocupação com o bem-estar moral e físico do colaborador.

FESTA E ALIENAÇÃO

Períodos festivos como o carnaval anestesiam a população e criam uma consciência de liberdade. Algo sabido e utilizado por políticos, por exemplo, para realizarem suas manobras
 É nos períodos festivos que as massas são mais prejudicadas pelas arbitrariedades dos políticos inescrupulosos, pois estas, anestesiadas pelo gozo do tempo livre e sua ilusão de liberdade de ação, deixam de agir criticamente em nome da preservação dos seus próprios interesses sociais, para que possam aproveitar os momentos disponíveis de lazer. A mentalidade tacanha do sujeito acomodado rechaçaria qualquer agitador social que porventura se esforçasse a mobilizar o povo contra os desmandos políticos em feriados ou dias livres, pois tal ato suspenderia a possibilidade de se usufruir do momento de emancipação individual perante todos os compromissos mais sérios da vida dedicada ao trabalho.
Todo ato de reflexão e ruptura com a dinâmica sôfrega de aproveitamento do tempo é vilipendiado pela moral capitalista, que exige a automação absoluta da personalidade do ser humano, de maneira que este dedique todas as suas forças vitais em prol do crescimento econômico do sistema estabelecido. Talvez tal fator explique a desvalorização da vida contemplativa na civilização industrial em prol da atividade total, pois “tempo é dinheiro”. Na curiosa associação entre regime capitalista e o calvinismo axiologicamente distorcido, a oração do ­ ele vale menos do que sua dedicação constante ao trabalho, condição maior para que o indivíduo caracteristicamente laborioso se torne merecedor da graça divina da salvação, conforme exemplarmente exposto por Max Weber (1864-1920): “O tempo é in­finitamente valioso porque cada hora perdida é trabalho subtraído ao serviço da glória de Deus”12. O mundo das mercadorias e a situação do trabalho alienante embotam a consciência do trabalhador, naturalizando-se como destinação metafísica do homem, desviando-o do conhecimento da própria felicidade. Paul Lafargue a­rma que “a moral capitalista, lastimável paródia da moral cristã, lança o anátema sobre o corpo do trabalhador, toma como ideal reduzir o produtor ao mínimo mais restrito de necessidades, suprimir as suas alegrias


Os trabalhadores são obrigados a vender a sua força de trabalho e ficam à mercê da exploração dos detentores dos meios de produção, em uma distribuição de riquezas injusta
e as suas paixões e condená-lo ao papel de máquina gerando trabalho sem trégua nem piedade”13.
 Na conjuntura atual, os feriados se prestam a desagregar o tecido social, criando um hiato interpessoal. A solução consciente para a emancipação social não se encontraria na supressão
 dos feriados, mas na politização dos mesmos, favorecendo a mobilização popular para causas de genuíno interesse coletivo. Em geral, somente os dias livres estabelecidos pela conveniência dos governantes conseguem mobilizar as massas para ações coletivas de protesto político, circunstância que evidencia a heteronomia latente nesses eventos, pois os mesmos não se ocasionam através da consciência orgânica e espontânea das massas, mas ocorrem graças aos apelos midiáticos dos poderes estabelecidos, que podem assim gerar comoção pública e influenciar razoavelmente os rumos da agenda política. Para o filósofo italiano Maurizio Lazzarato, “o capitalismo desenvolve, desde o início, uma outra forma de poder que não a da soberania, do direito, das instituições democráticas, um poder que está sempre em construção, um poder em ação. Ao lado e abaixo das leis e das instituições democráticas, ao lado e embaixo das constituições, assembleias deliberativas, mas que se exerce de maneira difusa e cotidiana, que constrói, desfaz, ­ fissura, passa através das relações globais e das hierarquias gerais, para, ao mesmo tempo, transformá-las e con­firmá-las”14.


Considerado antigamente como uma atividade de suplício e degradante, o trabalho poderia ser uma atividade para o homem se realizar existencialmente. Mas não é o que acontece na lógica capitalista moderna
 O trabalho será sempre um elemento cujo papel mediador é imprescindível da sociedade e das relações humanas; contudo, o trabalho sob os ditames da produção capitalista porta consigo a impossibilidade de suplantação da alienação, pois o seu controle é determinado pela necessidade de reprodução privada da apropriação do trabalho alheio, e não por aquilo que se poderia considerar necessidade humana enraizada na reprodução social emancipada da posse privada. É impossível o ser humano alcançar um estado de felicidade genuína em uma estrutura de poder cujas bases ideológicas se sustentam pela exploração da vida do trabalhador, subjugado inapelavelmente aos ditames do detentor dos meios de produção que prospera materialmente através da espoliação da energia orgânica de uma massa humana considerada descartável. Não existe autêntica livre iniciativa em uma estrutura social cujas bases sociais e econômicas já se encontram de antemão regidas por critérios desiguais. Talvez a pior servidão voluntária que exista seja aquela do indivíduo que, mesmo sofrendo cotidianamente as agruras da atividade laboral, considera que essa é a única possibilidade de obtenção de bem- -estar em sua vida, defendendo radicalmente em suas relações interpessoais o discurso dos seus opressores capitalistas. Afinal, para o indivíduo satisfeito com o padrão de mediocridade que lhe é imposto pelas estruturas hegemônicas do poder, obtendo o seu conforto e diversão diários, nada mais é necessário, ainda que uma horda de miseráveis sofra ao seu redor.
Ócio criativo: estudo, trabalho e tempo livre
“Na Atenas de Péricles havia quase mais feriado que dias úteis”, afirma o sociólogo italiano Domenico de Masi em sua obra ¹. Nela, de Masi explica detalhadamente todas as celebrações, cultos e concursos líricos e musicais daquela civilização grega antiga. Mas completa: “Tratava-se de uma reflexão alegre e coral, de cujo húmus se originou uma das maiores civilizações dos últimos tempos. Tratava-se do ócio elevado à condição de arte”. No seu estudo sobre o Ócio Criativo, de Masi diz que a sociedade pós-industrial precisa buscar três elementos para alcançar tal condição: comércio, estudo e raciocínio lógico. Assim, segundo ele, para a atividade criativa, estudo, trabalho e tempo livre precisam se confundir. “...o homem, tendo transferido às máquinas o trabalho cansativo, enfadonho, nocivo e banal, poderá se dar ao luxo de atividades criativas em que estudo, trabalho e tempo livre finalmente conviverão”.
O que ocorre hoje, no entanto, é que os trabalhadores, em raros momentos de descanso, o desfrutam carregado de culpa, quando, até por essa culpa, não levam trabalho para a casa nos finais de semana e períodos que não estão na empresa ou no escritório. As férias e períodos de feriado para os trabalhadores da sociedade pós-moderna, segundo de Masi, representam uma “improdutividade ocupacional” ao qual os trabalhadores são forçados.
¹De Masi, Domenico. O futuro do trabalho. José Olympio Editora


1MARX, O capital. Livro I, volume 1, p. 211.
2LAFARGUE, O direito à preguiça, p. 45-46.
3KURZ, O colapso da modernização, p. 24.
4MARX, Manuscritos econômico-filosóficos, p. 80.
5FOUCAULT, Vigiar e punir, p. 133-134.
6GORZ, Metamorfoses do trabalho, p. 109.
7MARCUSE, A ideologia da sociedade industrial, p. 154.
8ADORNO e HORKHEIMER, Dialética do esclarecimento, p. 128.
9LATOUCHE, Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 121.
10LASCH, Refúgio num mundo sem coração, p. 23.
11LAFARGUE, O direito à preguiça, p. 55.
12WEBER, A ética protestante e o “espírito” do capitalismo, p. 143-144.
13LAFARGUE, O direito à preguiça, p. 15.

14LAZZARATO, O governo das desigualdades, p. 86.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. e HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Trad. de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Trad. de Ligia M. Pondé Vassalo. Petrópolis: Vozes, 2010.
GORZ, A. Metamorfoses do trabalho: crítica da razão econômica. Trad. de Ana Montoia. São Paulo: Annablume, 2007.
KURZ, R. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia global. Trad. de Karen Elsabe Barbosa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
LAFARGUE, P. O direito à preguiça. Trad. de Otto Lamy de Correa. São Paulo: Claridade, 2003.
LASCH, C. Refúgio num mundo sem coração. A família: santuário ou instituição sitiada? Trad. de Ítalo Tronca e Lúcia Szmrecsanyi. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
LATOUCHE, S. Pequeno tratado do decrescimento sereno. Trad. de Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
LAZZARATO, M. O governo das desigualdades: crítica da insegurança neoliberal. Trad. de Renato Abramowicz Santos. São Carlos: EdUFScar, 2011.
MARCUSE, H. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Trad. de Giasone Rebuá. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1979.
MARX, Karl. O capital. Livro I, volume 1. Trad. de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
______. Manuscritos econômicofilosóficos. Trad. de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004.
WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Trad. de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.


Disponível em: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/esfi/Edicoes/79/artigo288091-1.asp

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